sexta-feira, 28 de julho de 2017

A HISTÓRIA DE MIGUEL ÂNGELO BUONARROTI

Nicéas Romeo Zanchett
Alma solitária e austera, Miguel Ângelo, viveu para criar; arquiteto, escultor, poeta. Nenhum outro artista no mundo teve a versatilidade de seu talento, a amplitude de suas concepções, e a elevação de seu sentimento. 
              
              Miguel Ângelo Buonarroti, nasceu em 1475, em Caprese, que é o berço dos homens de têmpera dura e apta à meditação, porque a terra áspera e a proximidade dos lugares que São Francisco tanto amou, torna-os fortes e tementes a Deus. Seu pai Ludovico, corregedor de Caprese, descendentes de nobres antepassados, homem honesto e carregado de numerosa família, separou-se do filho quando este ainda  era lactente e entregou-o a uma ama em Settignano, perto de Florença, que era , e é ainda, terra de escalpelistas. E Miguel Ângelo transcorreu sua primeira infância entre macetas e escalpelos, da qual mais tarde  se gabava, quando chegou a dizer, num de seus raro momentos de bom humor, que do leite da ama ele adquirira todo o seu amor pela pedra e pela escultura; amor esse que lhe ficara na alma. 
               O menino crescia austero e pensativo, sempre entretido, com aquelas mãos angulosas de montanhês, em traçar figuras no papel; e tanto parecia embevecido naquela tarfa, que o bom Ludovico resolveu retirá-lo de uma escola onde ensinavam gramática para levá-lo ao atelier de Domênico Ghirlandaio.
 Em Florença, àquele tempo, falar de Guirlandaio era falar em pessoa de suma importância; os senhores daquele tempo tributavam ao Mestre sua proteção e as encomendas chegavam-lhe de todos os lados, qual abençoado maná. 
               Miguel Ângelo era criança em anos, mas não no cérebro; de índole séria, não deixava de pintar e esculpir e, naquele ano que esteve junto de Ghirlandaio, aprendeu muitas coisas sobre afrescos e cores. 
               Foi quando lourenço dei Médici, senhor de Florença, homem ilustre e generoso, abriu, em seus hortos, na Praça São Marcos, uma escola de escultura. Acorreram os moços e, entre os mprimiros, Miguel Ângelo, que desenhava e esculpia, ora uma cabeça de fauno, ora uma batalha ente Centauros e Lápitas... sempre com mais entusiasmo, e tal era seu fervor, que o Magnífico Lourenço o tomou sob sua proteção e como companheiro para seus filhos. Foi um períodos realmente áureo para Miguel Ângelo, aquele; as horas de trabalho e de estudos se alternavam agradavelmente àquelas de douta conversação e, como uma grande multidão de  literatos e poetas, entre os quais Agnolo Poliziano, vivia sob o teto dos Médicis, Miguel Ângelo, frequentando-lhes a companhia, foi aprisionando o espírito e crescendo no amor pelas letras, de maneira que, quando, mais tarde, os dissabores da vida lhe forneceram matéria de inspiração, experimentou-se em poesia com muita naturalidade. 
                Morreu Lourenço, em 1492, e muitas coisas mudaram em Florença. Mas não mudou, em Miguem Ângelo, o amor pela arte. Foi, de escapada, muitas vezes, a Veneza e a Bolonha, mas sempre voltava a Florença, a quem muito amava. 
                E para Florença livre, alegre, feliz e próspera, sob o iluminado governo do magistrado Pier Soderinei, Miguel Ângelo trabalhou com afinco. Começou uma obra de afresco para o Salão do Conselho, "A Batalha de Cascina" , entre Florentinos e Pisanos, que, infelizmente, não pode ser concluída, e teve naquela ocasião, como émulo, numa nobre competição art[ística, o grande Leonardo Da Vinci. Mas, dessa obra, que deveria ser maravilhosa para o atento estudo da anatomia humana e pelo dramático movimento do homens, surpreendidos num momento crítico da batalha, foram extraviados também os desenhos. Produziu, entretanto, naquele período juvenil, uma admirável obra de arte, o Davi, simbolizando, no herói bíblico, o espírito de liberdade, que sempre animou Florença no atormentado século XV. 
                O amor na vida de Miguel Ângelo foi algo que não teve muito espaço. Seu grande cérebro estava demasiadamente ocupado com tantos afazeres. Sabe-se que nutria uma cálida e respeitosa amizade, por muitos anos, com Vitória Colonna; nobre dama e poetisa romana de raras qualidades.
                Mas, eis que Roma o chama a si;  e quando chama Roma, não há artista que não corra para lá, orgulhoso em poder, com sua obra, tornar ainda mais rica e mais bela cidade do mundo. 
                Florença, depois da queda dos Médicis, defendeu-se do assédio das tropas imperiais (1527 x 1530). Miguel Ângelo foi nomeado comissário-geral de todas as fortificações, cujos trabalhos dirigiu pessoalmente. 
                 Em 1535 o Papa Paulo III nomeou Miguel Ângelo "arquiteto da oficina de São Pedro". Pelos seus serviços prestados como arquiteto, Miguel Ângelo jamais aceitou pagamento, porque entendia que trabalhava "pelo amor a Deus". 
                 O Papa Júlio II conhecia a fama daquele artista, todo o ímpeto e fantasia, e quis encomendar-lhe o próprio mausoléu; um sepulcro monumental, sobre outro ainda mais magnífico, que devia  ser posto na tribuna da Basílica de São Pedro. 
                 O projeto apresentado por Miguel Ângelo era realmente grandioso; rico de mármores, de baixos relevos em bronze e de ornamentos arquitetônicos, teria ainda, como embelezamento do sepulcro, mais de cinquenta estátuas das quais algumas representando personagens da Bíblia, e outras simbolizando a arte e as ciências. Mas Miguel Ângelo  foi obrigado a arrastar atrás de si "a tragédia do túmulo", porque as enormes despesas e a volubilidade dos Papas que sucederam a Júlio II: Leão X, Clemente VII e Paulo III, sempre lhe dificultaram os propósitos. De fato somente cinco estátuas  puderam ser terminadas: as de Moisés, de Lia, de Raquel e dois "prisioneiros", mas bastam essas para testemunhar o poder criador do grande artista, o qual, trinta e oito anos depois que lhe foi encomendada a obra, agora já com setenta e sete anos de idade, teve oportunidade de escrever: "Eu me considero como quem perdeu sua mocidade , preso a esta sepultura". Miguel Ângelo contava com apenas 29 anos, quando o Papa Júlio II lhe encomendou o mausoléu onde pretendia ser sepultado. Era um jovem de caráter, brioso e resoluto, aborreceu-se por uma pequena questão, com o Papa, mas, anos depois, em 1560 , fizeram as pazes.  Mas a ocasião mais bela, entretanto, lhe foi proporcionada por uma obra de pintura. Quando um papa como Júlio II ordena, deve-se, forçosamente obedecer, e Miguel Ângelo, embora, em sua humildade, se considerava inferior à tarefa que lhe haviam confiado, acedeu em decorar a abóbada da Capela Sistina. 
                 Era o mês de maio de 1508. Quatro longos anos lhe foram necessários para representar, nas vastas paredes, a história dolorosa da humanidade, antes da redenção, o povo de gigantes heróis, a multidão de profetas e sílabas, que ainda hoje deixam o mundo inteiro admirado. Um homem de outra têmpera teria desistido, ante aquela gigantesca tarefa, mas Miguel Ângelo não se deu por vencido. Desde manhã, bem cedo, até altas horas da noite, ele permanecia nos andaimes, lá em cima, supino, enquanto a cor, dada a incômoda posição, lhe fugia do rosto, sempre pintando as grandes cenas bíblicas, que surgiam, em sua imaginação, com a paixão e com a fé que somente um espírito profundamente religioso pode possuir. 
                 Miguel Ângelo gostava de ficar sozinho, quando trabalhava. De seu pincel, saiam figuras horríveis e figuras de admirável expressão e doçura. Eis o grande artista, quando pintava a abóboda da Capela Cistina. Deixou atônitos o Sumo Pontífice, os altos prelados, o povo inteiro, que acorreram para ver a obra, quando ficou terminada; e o próprio Papa Júlio II celebrou missa na Capela Cistina, no dia da inauguração. 
                 Coube, em seguida, a outro Papa, Paulo III, determinar a Miguel Ângelo a decoração da parede central, com a cena do Juízo Universal. 
                Quando Júlio II morreu, foi um duro golpe para Miguel Ângelo; assemelhavam-se tanto, na fibra forte e austera, no amor a Roma e à Arte, e entre o Príncipe da Igreja e o artista existia um sincero vínculo de amizade. 
                Com os Papas que se sucederam, as coisas mudaram, também em Roma, e Miguel Ângelo preferiu voltar para Florença. E eis novamente outra ocasião para embelezar a cidade amada: o cardeal Júlio dei Médici, mais tarde Papa Clemente VII, houve por bem incumbi-lo da arquitetura da Sacristia de São Lourenço, destinada a abrigar os túmulos da família Médicis. Foi Miguel Ângelo quem esculpiu os dois primeiros sepulcros, os de Lourenço e de Juliano dei Médici, colocando neles quatro estátuas, entre as mais expressivas de toda a sua produção artística: o Dia, a Noite, a Aurora e o Crepúsculo. 
                Em 1534, o Papa II quis tê-lo novamente junto de si, em Roma e, pela segunda vez, Miguel Ângelo obedeceu ao chamado. Esperava-o, agora, uma tarefa ainda mais difícil: completar os trabalhos da Basílica de São Pedro. 
                Já fazia muitos anos que os trabalhos se arrastavam, na famosa basílica; com tantos arquitetos que por ali haviam passado, entre os quais, o grande Bramante, Rafael e Antônio de Sangallo, o Moço; mudanças nos desenhos e inovações se haviam sucedido com frequência, mas coube a Miguel Ângelo a glória de dar ao edifício o toque definitivo e de erigir a cúpula que, de rara imponência, se destaca ainda hoje no céu de Roma, como para testemunhar o titânico poder construtivo do século XV.
                 Miguel Ângelo já se sentia fatigado, esgotado fisicamente, pela tremenda tensão de incessante labor. Mas seu espírito não conhecia  repouso; sempre lhe surgiam no cérebro novas obras para esculpir, novas criações, que tornassem insigne a Arte Italiana.  E foi, no declinar de sua proveitosa existência, tão solerte e entusiasmado como o fora em sua primeira mocidade. 
                  Nas vésperas de sua morte, Miguel Ângelo Buonarroti, já nonagenário, esculpiu, na solidão do seu atelier, a Piedade Rondanini, que ficou, porém, inacabada. 
                 No dia 18 de fevereiro de 1564, enquanto os sinos tocavam Ave-Maria, Miguel Ângelo entregava sua alma ao Criador. Morreu tal como vivera; com a maceta na mão, entretido em esculpir Cristo baixando a cruz. E esta foi uma morte realmente digna do grande escultor e do fervoroso cristão que se chamou o grande Miguel Ângelo. 
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A VITORIA DA COLONNA
Poema de Miguel Ângelo Buonarroti
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Há não sei quê divino, força é crê-lo
Nesses teus olhos duma luz tão pura
Que ao vê-los, tive logo por segura
A eterna paz que é meu constante anelo.
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Filha de Deus, nossa alma aspira a vê-lo; 
Desprezando caduca formosura, 
Ela em seu giro eterno só procura
A forma, o tipo universal do belo.
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Não pode amar, não deve, uma alma casta
Fugaz beleza, graça transitória, 
Coisa que o tempo leva, o tempo gasta.
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Nem também alma digna de memória
Pode amar o prazer que bruto arrasta, 
Em vez do puro amor - sombra da glória. 
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