quinta-feira, 20 de julho de 2017

A MAIS COMPLETA HISTÓRIA DE LEONARDO DA VINCI

                NIcéas Romeo Zanchett 

                   No dia 15 de abril do ano de 1452, época em que surgia a renascença das ciências e da cultura intelectual da Europa. Era o fim de um período de ignorância e barbaria que perdurou por vários séculos; portanto, nasceu numa idade de ouro, na qual viria a ser uma das figuras mais brilhantes. Seu avo, o velho notário Messer Antônio Da Vinci escrevia no livro, onde era costume escrever, todos os dias, os eventos da família: "Nasceu um meu neto, filho de Ser Piero, meu filho, e recebeu o nome de Leonardo. 
                 Muitos anos mais tarde, após a morte de Leonardo Da Vinci, ocorrida em 4 de maio do ano de 1519, Giorgio Vasari podia escrever no livro "vida dos pintores e arquitetos célebres": "Realmente, o céu nos manda, às vezes , homens que não representam apenas a humanidade, mas a própria divindade..." 
                 Entre essas duas datas, entre esses dois escritos, está contida a vida maravilhosa do mais multiforme gênio que já teve a humanidade. 
                  Embora fosse filho ilegítimo, nascido de uma certa Catarina, criada de estalagem, Leonardo encontrou, na família Da Vinci, amor e consideração. O menino cresceu belo e inteligente, mas meio esquisito. Aprendeu a ler com a vó paterna, e com a Monna Albiera degli Amadori, que seu pai Messer Piero havia desposado, logo apos o nascimento de Leonardo; a seguir teve ótimos mestres, os quais se encontravam por vezes embaraçados com as agudas perguntas que aquele precoce escolar lhes dirigia. A matemática apaixonava Leonardo tanto  quanto o desenho; e sua linguagem, clara e precisa, parecia provir mais de um homem do que de uma criança. Desenhava e escrevia indiferentemente, tanto com a mão direita como com a esquerda; mas preferia fazê-lo em sentido oposto ao comumente usado, tanto que, para ler seus escritos era necessário um espelho, no qual a página refletida ficava clara e regular. Usaria este método para manter secreta ou, pelo  menos, tornar difícil a leitura de suas páginas? Talvez sim, se pensarmos quanto foi sempre tão fechada e misteriosa a alma de Leonardo. 
                  Mas dentro daquele temperamento introvertido, bailavam sonhos imensos e floresciam pensamentos gentis.
                  A família Da Vinci, nesse ínterim, mudara-se para Florença. Eram os tempos do máximo esplendor artístico para a cidade, na qual os mais excelsos engenhos trabalhavam e criavam obras imortais.  
                  Sem que ninguém soubesse, o adolescente Leonardo modelava, na argila, figuras humanas e animais, que depois tomava como modelo para traçar desenhos repletos de detalhes exatos e minuciosos. Mas não se limitava a isto a secreta atividade de Leonardo. Sobre certos livrinhos encadernados em vaqueta, ele ia fixando estudos e projetos para modelos de alavancas e cabrestantes, para arquitetura de edifícios, para escavações destinadas a canais de irrigação, para mecanismos úteis na arte de tecer. 
                  Um dia, o pai do jovem artista conseguiu apoderar-se de um desenho executado pelo filho, em branco e negro, com a ponta do pincel, e zelosamente ocultado de todos. Ao sr. Piero aquilo pareceu muito bonito, mas, receando julgá-lo e vê-lo  através de seu afeto paterno, levou-o a um dos mais famosos artistas que viviam então em Florença: Andrea di Cione, conhecido como "Il Verrocchio". O resultado disso foi a entrada de Leonardo para a escola de Verrocchio e ali permanecer vários anos, deixando o mestre maravilhado, o mesmo acontecendo com seus colegas, dada a versatilidade com que sabia passar da pintura à escultura e brilhar em ambas.  Mas, pintura e escultura não afastavam Leonardo de outras artes nem de outros estudos. Aprendeu música, e compôs graciosos motivos, que cantava, acompanhando a si próprio com lira e deliciando a quem ouvisse. Todavia, aquilo que lhe absorvia grande parte do tempo era o estudo da física e da mecânica, nas quais não tinha ninguém por mestre, mas em que se engolfava, atraído por uma irresistível predileção e impelido pela peculiaridade de seu cérebro especulativo e ávido de saber. O mistério dos astros, a virtude das ervas, o voo dos pássaros, toda a manifestação da natureza tentava e atormentava o pensamento do jovem Da Vinci, que, com apenas vinte anos, fora matriculado, na qualidade de pintor, e inscrito no registro da Companhia de Arte de São Lucas, reconhecimento insigne, que o tornava homem emancipado e mestre. 
                  Leonardo aproveitou a oportunidade desse reconhecimento para ir viver sozinho. Em casa de seu pai, já se haviam sucedido nada menos que três esposas, que Ser Piero desposava uma por uma, porque a morte parecia dar preferência às mulheres que com ele se casavam. E tinham surgido nada menos do que dez irmãos e irmãs de Leonardo. "Se você estiver só, tudo será seu", estava escrito num dos CANHENHOS deixados por Leonardo, entre anotações de máximas e sentenças. Ele desejava viver só para que nada viesse perturbá-lo em seus estudos e pesquisas, que continuavam sem cessar. Leonardo sabia amalgamar arte e ciência em um único amor, em manifestações concordes. Os lagartos, serpentes, gafanhotos  e grilos, animais que ele apanhava ara estudos, serviram-lhe, certo dia, para pintar uma horrenda cabeça de medusa, com tanto realismo que essa imagem parecia, na verdade, uma infernal criatura viva. 
                  Mas seus estudos, sua vida um tanto singular, certas suas manifestações de incomum sabedoria, atraíram para cima de Leonardo a acusação de feiticeiro e herege. Apesar das maravilhosas pinturas sagradas que saíam de seu pincel, apesar de não existir qualquer ato menos honesto, o artista foi processado. Foi absolvido, mas a amargura derivada da injusta acusação induziu-o a afastar-se de Florença. Leonardo mudou-se para Milão, para junto de Ludovico Sforza, denominado "Il Moro", ao qual ofereceu seus serviços. 
                A Corte de Sforza superava certamente em esplendor a dos Médicis, que dominavam então, Florença, e ali Leonardo encontrou ambiente e recursos adequados a  favorecer o desenvolvimento de sua multiforme e genial atividade. Retratos de fidalgas, a estátua equestre de Francesco Sforza, pai de "Il Moro", máquinas de guerra, alfaias espetaculares e estupefacientes mecanismos para defesa do ducado, sempre exposto a ataques de inimigos. Mas Ludovico "Il Moro", apreciava, acima de tudo, as invenções de Leonardo, que pudessem garantir aquela defesa. 
                O artista florentino, todavia, não punha à mostra todos os resultados de seus estudos. Especialmente o desenho de uma máquina por ele criada, permaneceu em completo segredo. E, sobre o mesmo papel, está escrito, de próprio punho de Leonardo: "Se não torno público meu sistema de caminhar embaixo da água durante muito tempo, sem alimentar-me, é por causa da maldade dos homens, que disso se serviriam para assassinar as profundidades dos mares, abrindo brechas nos navios e afundando-os com suas tripulações." 
                O submarino, ideado por Leonardo Da Vinci, permaneceu desconhecido, por sua vontade, aos seus contemporâneos, mas pertence a Leonardo o mérito de haver sabido imaginá-lo e desenhá-lo, num século em que a pobreza dos estudos sobre a mecânica e a falta de meios propulsores impediam ainda aos estudiosos até mesmo sonhar com semelhantes possibilidades de navegação. 
                Mas o intelecto de Leonardo costumava LIBRAR-SE por todos os recantos do universo, num invencível desejo de conhecer tudo. Conhecer o espaço imenso que circunda a terra, vê-lo, transpô-lo, voar...  A mais longínqua lembrança permanecia na mente de Leonardo desde sua remota infância, era a de um estranho sonho que tivera. Leonardo sonhara, quando criança, e nunca mais esquecera, com um enorme pássaro que, voando por sobre sua pessoa, batia-lhe repetidamente com a cauda na boca. Agora, que já era homem, percebia naquele sonho como que um presságio do destino, uma ordem para desvendar algo em que a humanidade ainda nem pensava: o voo humano! Deveria existir um meio qualquer de imitar as asas que permitem aos pássaros erguer-se do chão e vagar à vontade pelo ar. 
                Leonardo dedicou-se a estudos meticulosos e pacientes, a cálculos habilíssimos; traçou projetos sobre projetos; idealizou um aparelho no qual o homem, deitado, poderia fornecer a força necessária para erguer-se do solo e dirigir-se: as asas seriam movidas pelos braços e, o leme, pelo pescoço. Sonhos, tentativas, pesquisas secretas, que porém, não impediam Leonardo de realizar admiráveis obras artísticas. Na igreja de santa Maria das Graças, em Milão, ele pintou esse admirável afresco: a "Ultima Ceia". A estátua equestre de Francesco Sforza, obra mastodôntica e soberba, foi por ele executada e posta diante do castelo habitado pelo duque, à espera de ser fundida em bronze, o que, devido á má vontade de "Il Moro", jamais se verificou. 
                Mas, tempos bem duros e tristes se aproximavam! O rei de França, Luiz XII, reivindicou direitos sobre o ducado de Milão, pois ele tinha algumas gotas de sangue lombardo nas veias, oriundas de Valentina Visconti, que desposara um Orleans . E tais direitos ele os quis fazer valer invadindo a Itália à frente de um exército. Em breve, os invasores estavam de posse de Milão, e a cidade sofreu saques e violências de toda sorte. Em 6 de setembro de 1499, o exército francês entrava na cidade de Milão, e, depois de onze dias de luta, ocupava o Castelo, já abandonado por Ludovico, "Il Moro", e pela Corte. E também a bela estátua de Francesco Sforza, modelada por Leonardo, foi perdida, pois serviu de tiro ao alvo para os soldados gascões. Leonardo refugiou-se, a princípio, em Veneza, depois regressou a Florença, onde se dedicou, ainda, a edificar magníficas residências para os ricos mercadores que lhas encomendavam. Mas esse foi um período de contínuas mudanças e muito breves paradas. Leonardo parecia impulsionado por uma irrequieta inconstância; mas, talvez fosse apenas a precariedade de seu próprio destino, que o incitava a procurar, aqui e acolá, uma estável morada. Naqueles tempos, ele esteve sempre acompanhado pelos seus discípulos prediletos: Salaino, Marco d'Oggiono e Boltraffio, que o seguiam desde Milão. Por encomenda de César Bórgia (o duque Valentino), inspecionou, na qualidade de arquiteto e engenheiro geral, todas as fortalezas de Estado pertencentes àquele príncipe e se viu envolvido na guerra, naquilo, isto é, a que ele chamava "matta bestialitate".  Em seguida, foi de novo para Florença, onde, entre outras obras, pintou o retrato de Madonna Lisa del Giocondo, essa obra admirável, de que Vasari diz que não foi feita de cores, mas sim da própria carne, tal sua impressão de realidade.
                Os Médicis foram expulsos do poder de Florença e magistrado-chefe da República, que lhes sucedeu,  incumbiu Leonardo de reproduzir o episódio da batalha de Anghiari, na sala do Conselho Maior no Palácio Vecchio. O soberbo afresco executado por Leonardo acabou, porém, em ruínas, devido ao estuque que devia fixar para sempre as tintas; talvez porque Leonardo quisera manipular com alguma sua secreta receita, o próprio estuque, ou talvez porque o fogo aceso por baixo não fora suficiente para fixar no mesmo instante o estuque, que acabou caindo por cima da parte baixa da pintura, arruinando-a irremediavelmente. 
                  Antes, a destruição da estátua de Francesco Sforza, em Milão; depois a irremediável perda do afresco do Palácio Vecchio, mas amos não conseguiram impressionar demasiado Leonardo Da Vinci. Ele possuía um estranho temperamento, misto de impulsos e apatias. Além disso, sua mente estava sempre voltada para muitas e multiformes atividades. Dai, quando uma delas lhe proporcionava motivos de amargura, logo se voltava para outras. E assim aconteceu também desta vez. O problema do voo obsessionava-o. Por algum tempo, ele se dedicou exclusivamente a tal estudo; ninguém jamais conseguiu saber se Leonardo chegou a construir uma verdadeira "máquina volante", se a experimentou no pico do Monte Ceceri, perto de Fiésole, como fazem supor algumas referências encontradas em seus escritos. Contudo, restam desenhos e projetos minuciosos, que denotam o engenho precursor do artista. 
                  Leonardo, agora já no declínio dos anos, foi chamado novamente a Milão, em 1507, pelo rei Luiz XII, que ainda ali dominava. E Leonardo teria retomado serenamente o trabalho na cidade que amava como sua segunda pátria, se uma série de intrigas não o tivesse aborrecido. Os irmãos negavam-lhe o gozo da casa paterna dos Vinci, a ele deixada em vida por um irmão do pai, que falecera. Leonardo foi obrigado a regressar a Florença e promover um processo judiciário, que, aliás, venceu com facilidade. A alegria desta vitória,porém, foi amargurada pela notícia da morte de Lisa del Gocondo, a belíssima e gentil "madona", que Leonardo talvez amara no segredo de seu enigmático coração. Dela só restava a imagem, a "Gioconda" , o mais célebre e admirado quadro que mãos humanas puderam criar. Leonardo voltou logo para a Lombardia e mergulhou ainda mais em seus estudos, especialmente de física e anatomia. A guerra declarado entre o Estado de Santa Liga e a França obrigou Leonardo a sair outra vez de Milão. Desta vez, foi para Roma, que era, realmente, o centro intelectual do mundo. Ali ele esperava encontrar tranquilidade e trabalho profícuo; e assim teria acontecido, não fossem as picuinhas de invejosos e rivalidades de artistas, que tanto o contrariaram a ponto de formularem uma denúncia contra ele, acusando-o de esquartejar e profanar cadáveres.  Efetivamente, Leonardo ia sempre aos hospitais, a fim de realizar seus estudos prediletos de Anatomia, mas, para isso, obtivera a necessária licença do Sumo Pontífice. A acusação, contudo, obteve o efeito de ser revogada tal concessão. 
                  Agora, a existência de Leonardo era sempre mais obscurecida por mágoas e amargores. Um mal persistente e implacável atacou o artista, uma paralisia que lhe imobilizou progressivamente o braço e a perna direita. O artista podia ainda desenhar e escrever com a outra mão, mas não pintar, pois sempre usara o pincel na mão direita. O fatal declínio dos anos começava a pesar inexoravelmente na atividade de Leonardo. Mas era uma atividade ainda muito procurada, tanto que o novo rei de França, Francisco I, ambicionou ter junto de si o velho Da Vinci. 
                 -"Mon pére, venha à minha corte..." , pediu o rei. Leonardo obedeceu, e foi nomeado mestre de todas as artes e ciências; deram-lhe o castelo de Cloux,nas proximidades de Ambroise. E, naquelas doces colinas junto ao Loire e tão semelhantes às de sua nativa Toscana, Leonardo viveu feliz e sossegado durante três anos. 
                -Assim como um dia bem aproveitado proporciona agradável dormir, uma vida bem empregada pode fornecer um agradável morrer - escrevera, certo dia, o artista. E seu fim foi realmente um sereno apagar-se da chama vital, na noite de 3 para 4 de maio de 1519. 
               A morte surpreendeu-o esculpindo o maravilhoso colleoni de veneza, monumento equestre cujo cavalo ficou por terminar e o cavaleiro por principiar, obra que, mais tarde, outras mãos de mestre deviam realizar.
                Ao discípulo Francesco Melzi, que o seguira e dele cuidara com carinho filial, Leonardo deixou como herança seus manuscritos, divididos em códigos, álbuns , canhenhos, verdadeiros tesouros de sabedoria, de experiência, de intuição e de clarividência, que ainda hoje causam admiração aos estudiosos que o manuseiam. Leonardo foi enterrado em Ambroise,mas seus ossos foram, nais tarde, extraviados. Contudo, sua fama ainda paira por todos os espaços do globo terrestre. Já passaram séculos, e o imortal sorriso da "Gioconda" ainda está intacto, e a observações do "cientista" Da Vinci servem sempre de modelo e de texto para o estudo da Anatomia e da Física. Leonardo Da Vinci foi, inegavelmente, um gênio universal e um grande precursor .  
                  Passam-se já perto de cinco séculos desde que o sepulcro se serrou sobre os restos mortais  de Leonardo Da Vinci; e, apesar de ser reduzido o número de suas obras ainda existentes, a memória de um homem tão excepcional vive e é venerada pela humanidade inteira. Artistas, engenheiros, homens de ciência, poetas, músicos, filósofos, anatomistas, botânicos, todos o proclamam grande e glorioso nas suas respectivas artes e ciências, queixando-se apenas de que se não tivesse dedicado exclusivamente à arte ou à ciência de cada um deles em particular. 
                 Assim João Ruskin, em um dos seus escritos, diz com benévola indignação: "Leonardo Da Vinci gastou a sua vida em trabalhos de engenharia, e nem sequer nos deixou obras de pintura assinadas com seu nome". 
                 Por sua vez os engenheiros, menos apreciadores de quadros que de aparelhos de ferro ou de aço, lamentam-se ao constatar que um dos maiores gênios que tem aparecido no decorrer dos séculos perdesse tanto tempo da sua vida manejando pinceis em lugar de se dedicar a projetar e construir pontes e grandes  edifícios, fabricar máquinas e outras obras .
                Indigna-se o escultor contra a engenharia e outras artes e ofícios aos quais Da Vinci consagrou tanto tempo, sendo tão curto o que empregou a talhar mármores e a fundir bronzes. Por outro lado, os homens de ciência e inventores consideram unanimemente este gênio imortal como o seu maior precursor; um ser em cujo cérebro privilegiado germinou o embrião de mil inovações científicas que deviam mais tarde desenvolver-se no decorrer dos séculos. Leonardo Da Vinci é considerado por todos como um gênio universal. 
                Não ouve ramo do saber humano, em cujo conhecimento se não tornasse notável; nem ciência por mais difícil que fosse, nem problema por mais complicado, que ele com seu espantoso engenho não penetrasse; nem tarefa alguma, por mais árdua que fosse, que ele não levasse a bom fim. Poucos homens o igualaram a alguma de suas habilidades; parecia ter reunido em si todos os dotes e  energias  de muitas lúcidas inteligências. 
                Existia nele o maravilhoso espírito de originalidade com o mesmo vigor com que, em muitos homens célebres, existe o de imitação. Foi na arte e na ciência, o que Júlio César foi na estratégia e na política, e Homero e Virgílio na poesia. 
                Realmente são muito escassas as obras que nos deixou. A maior parte das suas pinturas deterioraram-se ou desapareceram por completo; algumas das suas estátuas ficaram por acabar ou se perderam; outras foram destruídas em consequência das guerras. Das suas obras de engenharia ficou apenas uma gloriosa lembrança; os instrumentos musicais que saíram das suas mãos ficaram reduzidos a pó; perderam-se maravilhosas melodias que compôs e foram escutadas por reis e príncipes. Uma só coisa ficou intacta no meio de tanta ruína: o seu nome imortal. Os próprios sábios, ao escreveram sobre o grande Leonardo, confessam unanimemente que o seu gênio tocava as raias do sobrenatural, sem que lhe dessem origem, de mais a mais, as leis da hereditariedade. 
                 Homem de gênio universal, concebia pinturas soberbas, escrevia belas poesias, modelava artísticas estátuas, construía diversas máquinas, serras para cortar mármore de carrara, etc.; excelente músico, tocava alaúde com inspirada maestria; imaginava e mandava executar admiráveis obras de irrigação em terrenos estéreis, tornando-os produtivos; projetava e levantava poderosas fortalezas. Em mecânica apresentou ideias novas, ao mesmo tempo dedicava-se ao estudo da matemática, da filosofia, da astronomia e da botânica. Já nesta época, Leonardo estudava o modo de obter resultados semelhante aos da moderna fotografia, valendo-se da luz do sol, processo que trezentos anos mais tarde viria a ser descoberto por Daguerre e seus discípulos e continuadores. Inventou também a roda com raios e o cubo ao centro, mais leve e econômica do que as antigas, mas esta invenção assim como de uma espingarda de vapor, também caiu no esquecimento. Mas, sem dúvida, uma das suas maiores glórias foi a inovação que trouxe à pintura e escultura dotando as suas estátuas e quadros com a plástica e realismo da vida tal qual palpita no corpo humano. 
                E apesar disso, senhor  de tais tesouros artísticos e intelectuais, sendo solicitado pelos ricos e poderosos de Florença, apoderou-se de Leonardo a paixão pelas viagens; para satisfazer essa paixão de ver e de estudar, pariu para o Egito, onde esteve empregado como engenheiro a serviço do então sultão do Cairo. 
                Aos trinta anos percorreu o Oriente, onde se dedicou a diferentes trabalhos e, no fim de dois anos, voltou à sua pátria colocando-se às ordens de Ludovico Sforza que então governava Milão. Nesta época Leonardo contava com apenas 24 anos de idades.  Ainda se conserva a carta que o artista ao tirano pedindo-lhe trabalho em Milão. Nela Leonardo menciona a sua experiência como arquiteto, engenheiro, matemático, etc., e acrescenta:"Posso esculpir em mármore, em bronze ou em barro e, quanto á pintura, posso tanto como outro qualquer, seja quem for." Esta última frase é digna do prodigioso talento de Leonardo. Sforza, satisfeito com a carta, deu ao seu autor um emprego como até então nunca tinha sido conferido a homem algum.  Sforza era de origem humilde; um dos seus próximos ascendentes fora rachador de lenha; mas dotado de ânimo  resoluto e aventureiro, reunira um numeroso exército de soldados mercenários à frente dos quais combatia pelo senhor que melhor lhe pagasse, e tanto defendia Milão, como provocava sérios conflitos na cidade. Providos de dinheiro, os Sforza logo alcançaram prestígio e poder, contraindo matrimônios com as filhas das principais famílias, adquirindo territórios, dirigindo, fomentando às vezes as artes e as ciências e, por tal razão contratou Leonardo. 
                Em certa ocasião o governante foi assassinado no pórtico da catedral de Milão; o filho do assassino deveria assumir o poder, mas Ludovico Sforza o aprisionou, assim como a sua mulher, tomando para si as rédeas do governo. 
                 Para executar suas obras, entregava-se a profundos e minuciosos estudos e observações. Reunia grupos de gente que sustentava à sua custa, não só porque tinha satisfação em assim proceder, como também porque em tais pessoas, vistos de perto, encontrava preciosos elementos para os seus trabalhos. 
                 Foi Leonardo o primeiro pintor que traçou com as cores da sua palheta, seres humanos dotados de sublime expressão, encantaram-lhe diferentes emoções e ideias nobres revestidas de perfeita beleza. Trabalhava desde o amanhecer até o sol se por, tão absorto na sua tarefa que até esquecia de se alimentar; e não era raro vê-lo pintar horas inteiras, absorto na sua obra e rodeado de frades, que o contemplavam em silêncio e cheios de admiração. às vezes, quando estava trabalhando no modelo da estátua, acudia-lhe repetidamente uma ideia, que logo tomava nota no seu livrinho de apontamentos, que sempre trazia consigo, para tudo registrar antes que aquela ideia fosse apagada de seu cérebro. Durante esse tempo, trabalhando nas duas obras, Leonardo atravessava a cidade sempre às pressas e pelo caminho mais curto.  Assim iam passando os anos e Leonardo, consciente do valor da sua obra, pintava para a posteridade. 
                  O   PRIOR do convento era homem de pouca visão, e, apesar de Leonardo trabalhar com persistência no quadro, ainda quando Sforza era o mandatário da cidade, ia queixar-se de Leonardo, dizendo-lhe só faltava acabar uma cabeça e que o pintor se demorava demasiadamente em terminá-la. Chamado e interrogado o artista por Ludovico, respondeu que dedicava ao quadro todas as horas do dia. Mas o PRIOR  retrucou friamente  que, longe disso, havia mais de um ano que não unha os pés no convento. Sabedor Leonardo, por Sforza, desta reclamação, replicou: -"É verdade que que há já muito tempo que não ponho os pés no convento, mas nem por isso deixei de dedicar ao quadro as horas que diariamente lhe destino. Falta-me terminar a cabeça de Judas; para dar-lhe a expressão de maldade que deve caracterizá-la, ha mais de um ano que frequento diariamente os lugares mais suspeitos da cidade, onde se reúne a gente malvada, sem que até hoje tenha encontrado alguém que me satisfaça. É este o último requisito necessário e, tão logo o encontre, terminarei o quadro num dia. No entanto, se apesar das minhas diligências e pesquisas não achar o que procuro, contentar-me-hei com a cara do PRIOR, que servirá perfeitamente para tal fim. E se até aqui não me inspirei nela tem sido por isso me parecer um atrevimento, encontrando-me sob o teto do seu convento.
                  Fez Leonardo como disse; terminou por fim o quadro, e é voz pública que a cabeça do PRIOR ficou sobre os ombros do judas. Todos os grandes críticos declaram unanimemente que a Ceia é uma das pinturas de maior valor e mais completa das artes universais, bela e perfeita. Posteriormente não restou dela mais que uma ruína que, escalavrada e apagada, se via numa das paredes do convento de Milão, manchada pela umidade, estropeada por uma porta que os frades abriram naquela parede e toda furada pelos pregos que lhe cravaram para prender um escudo de armas. Mais tarde, artistas de mau gosto e sem talento foram encarregados de a restaurar e não fizeram senão escangalhar o original.
                  Durante a ocupação de Napoleão, seus soldados se aquartelaram naquele convento, divertiam-se apedrejando os rostos das figuras da Ceia.
                  Uma inundação encheu a casa onde se encontra esta maravilha, e ali ficou a água até escoar-se e evaporar-se. Mas, apesar de tais vicissitudes, ainda se podem admirar, hoje em dia, as artísticas pinceladas de Leonardo, algumas das suas cores, e, na parede tão deteriorada, vive ainda o profundo sentimento e a soberba composição do grande mestre. 
                 Durante a execução deste quadro, traçou Leonardo centenas de desenhos para aquela obra, muitos dos quais ainda existem em museus e bibliotecas. 
                 Quando os franceses invadiram Milão, passaram a destruir muitas obras de arte; utilizavam-nas como alvo de tiro. Leonardo estava ocupado com a criação de uma grande estátua para Sforza, e com a pintura para o convento de Milão, dum quadro que representava a última ceia de Cristo com seus apóstolos. A estátua deveria ser colossal, pois necessitava de cem mil libras de bronze e, como o dinheiro não veio a tempo, ficou por acabar. Só o modelo foi terminado; mas esse foi destruído barbaramente pelos soldados franceses na invasão da cidade. Leonardo abrigara-se no convento, onde pintava o maravilhoso quadro da "Ultima Ceia do Senhor", que situava-se no extremo oposto de Milão. 
                Milão invadida pelos  franceses e o duque Ludovico Sforza aprisionado, assim terminou o esplendor deste homem.
                 Triste e decepcionado pela destruição promovida, Leonardo foi para Florença e entrou para o serviço de César Bórgia, um dos monstros da história, homem tão perverso que o seu nome é sinônimo de maldade. E é de admirar que um caráter tão nobre como o de Leonardo tenha se submetido às ordens de tal pessoa; nos nossos dias, homens nas condições e da categoria do nosso biógrafo não tolerariam associação alguma com semelhantes infames. Mas, hoje, fica difícil julgar a situação de Leonardo diante de tanta violência.
                 Um consciencioso escritor que estudou minuciosamente os grandes homens daquela época, na qual tão brilhantemente desabrocharam as ciências e as artes, depois de longos anos de paralisação e de atraso, explica essa anomalia nos seguintes termos. -"Os ilustres varões desse período possuíam em alto grau a força ae os dotes criadores, e difundiram por toda a parte, ideias novas e regeneradoras com incansável perseverança, a tal ponto que, em comparação, nos parecem bem fracos os processos da moderna civilização. Dotados de talentos naturais poderosos, o seu vigore impulso eram também mais fortes que os da raça presente.Parecerá extraordinário que, o que mais delicado existe na arte nas suas variadas manifestações, o mais ideal nas criações do pintor fosse reconhecido e fomentado no meio d'uma sociedade cuja maléfica moral e torpe brutalidade, nos seriam hoje em dia tão desprezíveis e repugnantes. E, deste modo, se pudéssemos agora pegar tal num homem tal qual o produz a nossa civilização e transportá-lo à época de Leonardo Da Vinci, a a mesma brutalidade que não fazia mossa nos indivíduos daquele tempo, desconcertaria a sua sensibilidade  e provavelmente  perturbaria o seu juízo."
                  Se pela nossa parte, examinamos a questão sob um ponto de vista diferente, e considerarmos os crimes de Sforza e de Bórgia, veremos que não deveriam parecer mais censuráveis a Leonardo, do que os crimes de Cellini aos reis e altos personagens que a tão estranho e célebre homem deram emprego e proteção. Levou pois Leonardo a bom fim as suas melhores obras de engenharia e defesa militar, e outros muitos trabalhos para César Bórgia; e os seus mapas e planos, que hoje em dia se podem examinar, nos dizem ainda quanto e de que maravilhosa maneira ele trabalhou para aquela personagem tão tristemente famosa pelos seus crimes e desvarios. 






                            









 Aprendeu as primeiras letras  na casa paterna, e muito breve se distinguiu entre as outras crianças pela sua viva inteligência. Com a mesma facilidade como se estivesse brincando, chegou a dominar a aritmética e a música, e por inclinação  natural começo a dedicar-se ao desenho e pintura. Ao perceber tão extraordinárias faculdades, deixou-o seu pai cultivá-las e desenvolvê-las à sua vontade, até que fez dezoito anos.
                 Seu pai era um advogado de Florença, mas Leonardo nascera na aldeia Vinci, situada numa colina não muito distante daquela cidade. 

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